Eu-bruto, Eu-frágil (Reflexão)


A fragilidade humana é o que há de mais forte em nós.
Perante essa fragilidade, todas as nossas vestimentas e aventais,
nossos olhares de cima para baixo,

as nossas poses de majestade em perfil e até a imponência do discurso se tornam adereços
e adereços apenas – se o discurso não discursa, antes,
o que em verdade pulsa no coração;
e dos adereços, sucumbem ao pó, de onde vieram,

visto que não são nada além de adereços;

apetrechos da existência.

Tal fragilidade só é conhecida pelo ser, 

Pelo eu-frágil, e quase não percebida por quem me vê.

Gabriel Rocha
26.01.19


Eu-bruto, Eu-frágil

A Síntese

É bruto, é frágil...

É a conciliação dessa fragilidade inerente do âmago humano com a capacidade de se desenvolver robusto... íntegro, dentro dela, sem perder, com isso, o seu olhar, a sua sensibilidade humana que nos torna cada vez mais fortes, e nunca fracos.

Assim a gente não se desumaniza. Não deixa de ser gente.

Ao mesmo tempo em que é reconhecendo a minha fragilidade, a minha relatividade e a minha carência gritante de capacitação e suficiência própria que vou crescendo e ficando cada dia mais belo.

Assim a gente não se martiriza, se tornando algo menor do que poderia ser, do que é pra ser.

Nessa linearidade bem estreita e sobriamente equilibrada, tênue como uma corda bamba, é que a gente deve caminhar. Sendo sensível, sem deixar se sequestrar pelos embates que chegam e pelo que se percebe, ao mesmo tempo em que nos fazemos firmes em nossa posição, na firmeza de caráter, sem virar um mineral bruto.

Essa busca progressiva e vigiada é, de todos, o exercício mais difícil quando se é gente como a gente; o mais preciso para se manter humanamente humano; e o menos exercitado conscientemente.

Aqueles que pendem de algum modo para um desses polos, quer por deliberação em se tornar um coração de pedra, quer por tendência emocional a sensibilidade, dão origem a dois mundos: ou são indiferentes a dor e ao meio ou se tornam um solvente de agonias interiores e incessantes, pois a percepção não para, não cansa, não cessa... nunca.

O Bruto

Os que se petrificam pretendendo se tornarem imunes às dores que experimentaram ou simplesmente por não se importarem, não terem empatia, viram, na maioria das vezes, bons homens de negócios...

São os nossos governantes, exímios políticos e líderes de grandes causas revolucionárias. Se tornam ótimos empresários, presidentes e magnatas de sucesso. São os mais aptos para administrarem as ações da bolsa. Sociopatas de terno e gravata; lobos de Wall Street.

Tornam-se, mais do que tudo, “donos de açougues”: cultuadores da carne e dos seus pedaços macios; submissos as suas próprias lascívias, suas cobiças, seus anseios, tomados de uma fome insaciável de grana, fama, libido ou poder. Vivem para o ouro e para o corpo, pelas “delícias” deste mundo, sendo, também os reis deste mundo.

Dentre nós, são os maiores; em si mesmos e em verdade, no entanto, os menores.

O Frágil

Já os que possuem um olhar um tanto mais desmedido em percepção tornam-se notáveis escritores, compositores de peso... poetas.

São autores instigantes, e até inconstantes, de obras e escritos interessantíssimos. Outros acabam se tornando grandes psicólogos cheios de observações, sobre si mesmos e sobre o espírito humano, e até precipitações sobre a idealização de deuses e o mundo.

São as almas inquietas tomadas de questões provocativas, onde se ajuntam e se reúnem os filósofos, os críticos, os prosadores e demais pensadores. Todavia, não garantem em nada a solução e a reconciliação de si mesmos; na verdade, não raramente, são os mais confusos e perdidos no vasto labirinto de si que é evidenciado, porém, não iluminado, ainda não esclarecido. Daí só restam as questões interessantes para os outros, os que os lêem, mas não as respostas necessárias para eles próprios, que são a mistura da soma e da fração dos seus escritos.

Se tornam ainda profundos escritores, de percepção aguçada, que sangram pela lapiseira o peso do que vêem e do que sentem. Ao menos – muito – estes vivem por coisas verdadeiras, no que são sinceros pelo que exprimem, pelo que enxergam, pelo que sentem... pelo que são, ainda que vivendo em estado “morrente”.

Dentre nós, são os menores, os de pouca influência, figuras excêntricas, vistos como estranhos e, alguns, totalmente desconhecidos; em si mesmos e em verdade, no entanto, podem ser eu, podem ser você. Podem ser todos nós. Então me diga, o que estamos sendo?

Eu...

De todo jeito, todos nós estamos morrendo de alguma forma. Porém alguns vão falecendo pelas coisas da morte enquanto chamam a coisa toda de vida. Vivem por elas e por isso só morrem;

Outros aproveitam o padecimento do corpo para semearem vida nos pedaços que deles caem, em cada encontro humano, em cada troca, em cada relação... em cada dia de suas vidas que, com efeito, é “um dia a mais” para o aniversário de sua morte, mas curiosamente vão ficando mais vivos do que o dia anterior.

Eu não quero ser frágil, mas, se é para viver morrendo, quero morrer pelo que vale a pena da morte por se estar vivo, convertendo a existência em vida, espalhando-a por onde passo num rastro de células que se desprenderam de mim; um cadáver de vida imortalizada; memórias do que sou.

Quero ser gente. Quero ser apenas eu; quem ainda não sou. Por isso a caminhada.

Se é para morrer, eu quero morrer direito, me estrebuchando em vida nas vielas desse chão (nisso vou juntando as partes de mim).

Eu,

Gabriel Rocha
27.01.19

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