CATARSE, 1 - Externalizando medos e inseguranças
CATARSE, 1 – EXTERNALIZANDO MEDOS E INSEGURANÇAS.
Quando alguém está tendo ataques de tremeliques quase que se contorcendo, babando de raiva, se rasgando e gritando por atenção, e tudo que ele diz não parte de um pressuposto fundamentado como também não me diz respeito, mesmo que esse esteja sendo direcionado a mim, na verdade este alguém está lidando com as suas angústias, com os seus medos, com as suas invejas, com as insatisfações que ele tem com ele mesmo ou com a sua família, ou com o seu trabalho, sua casa, sua condição financeira, sua identidade ou a falta dela e etc..
Em outros casos, de forma muito mais implícita mas que dispensa verbalizações, está regurgitando um ocorrido passado ou até uma incompatibilidade dela com sua identidade que não se reconhece mais como uma coisa só, executando uma catarse em mim.
Porque se eu me fixo em criticar algo em você é porque isso encontrou um eco em mim de algo que me causa incômodo , algo que ainda não tive uma resolução, algo ainda não resolvido aqui. Algo inacabado, que me constrange no mais profundo, que me incomoda, que me dói ou me envergonha, ainda que não seja esse o objetivo pelo qual você o tem ou é, mas será justamente por isso que me inquietará.
"Quando eu aponto um dedo para alguém há outros três apontados pra mim." – observação psicanalítica freudiana básica em metáfora.
Ao especular sobre alguém eu não estou me vendendo uma argumentação fundada, mas sim expondo as minhas dores quando transfiro-as a você.
Aqueles que babam, vomitam frases e trocadilhos continuamente sem descanso e num instante criam apelidos que tentam envergonhar e reduzir o outro, não estão fazendo isso apenas para falar de mim, mas além de tudo, eles sabem que tais ações foram motivadas tão somente por eles, voltadas a eles mesmos.
Enquanto fazem o que fazem aos gritos, lá dentro estão dizendo: "eu me sinto sozinho"; "minha vida não é como planejei que fosse"... e até as pessoas ainda jovens mas já tão desapontadas dizem: "os anos estão passando e eu não estou recebendo o tratamento que sei que mereço, seja esse qual for."
Pode ser atenção. Atenção que faz com que eu me enfeite igual um pavão e crie uma personalidade extra diferente da quantidade que eu sou ou que me vitimize e propositalmente me faço um completo desmerecedor da própria existência, para que assim, talvez, ganhe a atenção que desejo.
Pode ser um simples carinho, até aquele dado com cinco dedos na cabeça de quem nunca recebeu quando pequeno, mas ao contrário, tudo o que fazia nunca estava bom, nunca estava certo.
Pode ser amor de quem nunca se sentiu verdadeiramente amado e que mesmo tendo pais riquíssimos que ofereciam uma vida de luxo e todos os tipos de regalias, raramente esses tinham um tempo para ficarem a sós com o filho sem fazer nada a não ser ouví-lo e compreendê-lo, mas ao invés disso toda carência que o filho apresentava era atendida pelas suas tropas de profissionais terapeutas ou demais coisas materiais para substituir a falta de uma presença realmente familiar.
Do senhor ranzinza ao adolescente mimado. Do que brinca mais ao que brinca de menos. Do grande ao pequeno e do mais belo ao mais feio. De um extremo ao outro; que diferença faz? Todos eles existem e existindo carregam como consequência de uma existência autônoma pensante os traumas e males gerados com o tempo por essa condição que é existir, seja ela grande ou pequena. Todos confessam de um jeito ou de outro.
Seja pela via da subjetividade camuflada em seu tratamento de hostilidade que só demonstra, em grande, parte a sua carência gritante, ou em seu apego excessivo as pessoas e as coisas ou na sua incapacidade de ter alguém fixo a quem chamar simplesmente de amigo.
Dizendo ou não dizendo. Esses que muitas das vezes não declaram ao público mas já se adaptaram a um estado contínuo de pensamento que repetem para si mesmos com a sua maneira de fazê-lo: “Olha, nada tem sido do jeito que gostaria que fosse, nem eu nem minha vida e você chegou parecendo um pouco mais satisfeito do que eu – e ele mesmo pensa –, ainda que não seja, mas é o que parece; e isso está me incomodando. Sendo assim, tenho a obrigação de te detestar por causa 'disso', 'disso' e 'disso', que nem eu sei muito bem o que é, ou pelo o que você é que eu tenho tanto medo de ser. Mas cá entre nós... não é nada pessoal”.
Gabriel Rocha
15.02.18
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• Pintura de Oscar Delmar
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