Pietàs: de Michelangelo a Perugino


Michelangelo tinha uma percepção incrível e foi um artista absolutamente fora de seu tempo.

Enquanto Perugino, com seus 50 anos, retratava a morte de Cristo com uma interpretação cíclica que via, apenas, a morte de Cristo em um encontro fúnebre em uma homenagem melancólica que se voltava ao fenômeno da morte, Michelangelo dotou o ocorrido com maiores significados e possibilitou a sua retratação de múltiplas interpretações ao esculpir Pietà alguns anos depois.

Na visão de Perugino, Jesus era mostrado com uma aparência pálida, com cores que se resumiam a uma tonalidade amarelada, de ar frio e mórbido; e o corpo, retratado como se já estivesse num estado de solidez dos músculos e das juntas.

Realmente apenas um fenômeno: o corpo-defunto de Cristo. Maria tem seu filho esteticamente estático no seu colo enquanto mais duas figuras parecem ajudá-la a segurar o peso do corpo, como alguém tem uma tábua pesada entre os braços. O olhar de sua mãe continuava sendo imaculada e inexpressiva diante da morte de seu filho.

Michelangelo, então, traz uma visão única ao ocorrido, onde mãe e filho deixam de carregar essa atribuição sacramentada de semblante e de espírito e são retratados como a mãe que não só tem, mas acolhe o filho com um carinho infinito, e o filho que descanse o seu corpo justificado pela sua passagem histórica justificando, para além dela, o mundo inteiro Nele, que não era corpo mas se fez em um.

Tamanho valor em um sacrifício de apenas um em favor de todos realizado por um só, só seria um peso insuportável para o colo de Maria e qualquer outro se não fosse sacrifício em amor. Mas não. A interpretação que tenho de Pietà é que o amor de Cristo era tão real, puro e verdadeiro que até a sua morte para essa existência não passou de perda para essa existência a sua mãe, mas uma graça sem proporção para o seu espírito, assim como o tamanho desproporcional de Maria que faz da graça do acolhimento de seu filho, o Cristo, maior do que qualquer perda existente, ainda como seu filho.

A atenção aos detalhes, não só em quantidade mas em intensidade que diminuíam ou aumentavam de acordo com o tamanho do corpo e o foco desses nas pinturas e esculturas de Michelangelo – a mim, principalmente nas esculturas por conta das marcas dramáticas dos corpos aproveitados do efeito tridimensional das rochas –, e junto a isso, a expressão que ou é muito amena, tocante e de grande serenidade, como o rosto de acolhimento e carinho de Maria em Pietà, ou é muito rígida, incisiva e de firmeza viril senão mítica, como a figura de Deus em A Criação de Adão, que externalizavam sempre a natureza em essência daquelas figuras, fizeram desse gênio renascentista aí ainda novo, com apenas 25 anos, o pai da escultura.

Um dos maiores ícones de expressão artística do século XV e XVI, uma referência inatingível para os próximos cinco séculos seguintes e com potencial de sobra para continuar sendo por mais cinco deles. Um gênio de visão, interpretação e ilustração rara, como bem se vê.


Gabriel Rocha
23.01.18

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