O Insano e a sua Inteligência
O Insano e a sua Inteligência
(Imagem de Eike Batista, um homem de grande potencial, condições e muitíssimo inteligente)
Minha inteligência pode me fazer tão mal quanto a minha burrice e a minha ignorância, ou mesmo pior. Esse mal acontece, mais frequentemente, quando sou impressionado por uma amostra do potencial da minha rasa inteligência, que ainda assim me impressiona, e nesse fácil impressionismo me disponho a servir meu ego e a ser balbuciado por ela, reafirmando a minha importância o tempo todo ou então quando cometo um autoengano a partir do momento que penso pensando que ela me basta. Do que vale uma inteligência que conhece muito sobre quase tudo que se possa conhecer, mas não consegue, nisso, discernir o seu conhecimento?
Do que vale uma inteligência que é dotada de esperteza, mas existe sempre em função do favorecimento próprio e não enxerga, porém, que toda jogada cheia de esperteza e malandragem acaba por culminar inevitavelmente na ruína de quem a tem, e portanto, dela mesma, a inteligência?
Do que adianta toda essa inteligência, que se vangloria tanto de ser, quando na verdade é burra no seu modo de operar porque não enxerga a pequenez dos seus interesses mesquinhos, com a finalidade de conhecer voltada somente para a sua vida e assim para a sua morte? Que buscou durante anos o máximo que poderia saber ironicamente sabendo, no entanto, que o único sabersque preservaria é o que nada sabia para então morrer no final de sua existência?
Parece estar tão explícito. A inteligência como motor direcionador da existência de alguém, se não tiver muito cuidado e for de fato honestamente inteligente consigo mesma, não pode acabar de outra forma senão com todo seu potencial de alto valor tornado a ruína de seu fim.
Não falando apenas dos que trabalham arduamente o seu intelecto; falo também dos loucos com anseio narcisista. Falo de todos os líderes de classes, grupos e governos governados por grandes gênios que com a sua liderança faziam massas de homens, impérios e países se entregarem ao seu poder na sua fome de hegemonia, por bem ou por mal, sendo quase sempre que a força.
O que encaminha então todo esse potencial de genialidade que pode haver no menor dos homens, o menos notado, e que nasce, como qualquer outro, sem nenhum semblante especial no rosto até que decida por si o seu objetivo dependendo apenas do uso que fará com o que lhe foi dado?
Não é preciso ir tão longe para termos um exemplo objetivo e histórico do que estou falando de modo mais abstrato: Hitler tinha uma das maiores bibliotecas pessoais do mundo e registros relatam que ele era um leitor compulsivo, lia de quase tudo sobre tudo.
Teriam as letras impressas no seu arsenal de livros trazido algum esclarecimento para a mente de Hitler e os seus ideias? Teria ele, exemplo notável de grande leitor, complementado e chegado a um proveito significativo da sua inteligência e conhecimento adquirido com, não apenas seus incontáveis livros, mas incontáveis leituras?
E assim, da mesma forma; teria eu livros suficientes na minha prateleira que me livrariam dos equívocos e atrocidades que eu sou capaz de fazer, com ou sem eles? Isto é, poderia a livraria me livrar de mim?
Daí se vê que não são os livros, como também não é a minha inteligência a autora dos meus feitos senão uma utilitária para que eu os faça; apenas um meio, uma possibilitadora a qual, em sendo utilizada, cabe somente a mim decidir como usar, pois, assim como os olhos de quem lê interpreta e usa como bem queira até o mais belo Salmo, assim também é para a forma com que enxergamos o mundo e decidimos usar as virtudes das quais fomos dotados.
Usando a analogia dos livros como mais um tipo de mídia para me referir a como vejo a inteligência: não existirá nenhum livro que eu não possa ler, filme que não deva assistir ou música que eu não me permita escutar se no meu interior já existir a pretenção que determina como uso e como acolho cada coisa que vem de fora. De igual maneira àqueles que verão trevas na melhor e mais pura de todas as obras.
Dito isto, a inteligência é mais uma ferramenta para minha índole e nada mais. Ela, por si só, não define qualidade alguma de ser nem determina, por ela, o meu caráter.
Quem não a vê assim estará ainda com sua inteligência fadada de enlucubrações vagas, filosofias tolas e chatas e, no final, estará sempre lidando com nada mais nada menos do que uma burrice que entendeu algumas coisas sobre o mundo mas não discerniu a síntese de fato. Como uma burrice requintada, ou ainda pior: um insano culto, científico e letrado! Mas termina por aí. E por isso é, também, indiferentemente mais uma vaidade de peso curricular que ainda não deixou de sustentar uma inteligência burra.
Prefiro, dentre o rico conhecimento ou o raciocínio de destaque e a preguiçosa burrice de se conformar em não saber nada, ou ainda porque não tenha sido viável dessa forma, que não se saiba nada mesmo, uma vez que quanto mais o insandecido eeincompreensível estuda, aprende, mais convicto fica sobre suas loucuras e desvairos porque os interpreta da maneira que lhe convém – e trata tal coisa como realidade para todos enquanto faz boicote de si – e mais se jacta de conhecer tudo sobre tudo, não conhecendo coisa alguma. Por isso a inteligência pode ser uma armadilha muito perigosa que cresce junto com o tamanho que desenvolvo ela e a chamo de "meu brio", "meu maximus", "minha razão".
Ora, minha inteligência deve estar subordinada a mim, a minha consciência, e não eu a ela, sendo eu o seu senhorio de maneira tal que decida usá-lá com sobriedade. Sim! Até mesmo, e principalmente, a minha inteligência deve ser administrada com o mínimo de inteligência singelamente honesta para admitir que ela ainda é muito burra, muito rasa. Caso contrário, sou facilmente ludibriado por ela.
É muito fácil ser enganado por um cara inteligente. Mais fácil, até, ser enganado por um que aparenta ser inteligente se já estou sendo enganado pensando que o é. Diga-me então se não é fácil, na inteligência que se tem (esta indagativa/propositiva filosófica) ser enganado pela minha inteligência que consegue tratar tantas mentiras, enganos e equívocos como verdades irrefutáveis e de certezas. Ai de mim se tiver de depender da minha inteligência!
Graças, muito graças a Deus e ao pouco de inteligência que tenho – essa mesma, ínfima e limitada inteligência humana que se impressiona com as faíscas de clareza que, vez ou outra, consegue produzir no meio de uma escuridão de incertos e furados – sou inteligente o bastante para não confiar em mim mesmo. Eu, confiar em mim? Na minha inteligência? Mas que burrice!
Seria muita presunção minha senão um suicídio intelectual com ilusão de grandeza. (Também) Não sou tão burro assim.
Gabriel Rocha
11.11.17
Comentários
Postar um comentário